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IMPORTÂNCIA DA BIODIVERSIDADE E OS SERVIÇOS AMBIENTAIS

Dos cerca de duzentos países atuais, apenas dezessete são considerados mega diversos, por conterem 70% da biodiversidade mundial. O Brasil está em primeiro lugar nessa lista, abrangendo a maior diversidade biológica continental. Nosso território abriga entre 15% e 20% de toda a biodiversidade do planeta e o maior número de espécies endêmicas, a maior floresta tropical (a Amazônia) e dois dos dezenove hotspots mundiais.


A riqueza biológica nacional manifesta-se também na diversidade de ecossistemas: são seis biomas continentais – Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pantanal e Pampa –, que abrangem dez regiões fito ecológicas e 31 formações vegetais, entre florestas, savanas e estepes. Somam-se, ainda, as áreas de formações pioneiras, de influência marinha, fluvial e lacustre, como restingas e mangues, importantes berçários naturais, e, também, as de tensão ecológica, isto é, de contato entre diferentes regiões ecológicas.


Jaguatirica observando ambiente
Jaguatirica

O planeta vive uma crise de biodiversidade, caracterizada pela perda acelerada de espécies e de ecossistemas inteiros. Essa crise agrava-se com a intensificação do desmatamento nos ecossistemas tropicais, onde se concentra a maior parte da biodiversidade (GANEM, 2010).


No Brasil, a perda e a fragmentação de hábitats afetam todos os biomas. Ela é mais grave na Mata Atlântica, onde a vegetação nativa ficou restrita a pequenos fragmentos, mas também atinge extensas áreas no Cerrado, no Pampa e na Caatinga (GANEM, 2010).


Conforme Ganem (2010) no Cerrado, que originalmente ocupava um quarto do território brasileiro, o desaparecimento da vegetação nativa foi mais impressionante, pois o bioma perdeu quase metade de sua extensão em menos de cinquenta anos. Se as frentes de ocupação, no processo de colonização portuguesa do território brasileiro, levaram séculos para se estabelecer, removendo a cobertura vegetal e alterando os ecossistemas nativos ao longo do litoral e regiões próximas a ele, a derrubada da vegetação, nas últimas décadas, ocorre a passos de trator e avança rapidamente para as fronteiras mais longínquas da Amazônia. São perdas aceleradas, perceptíveis na escala de uma geração humana.


Apesar disso, a perda de diversidade biológica é uma crise silenciosa. Ela se assemelha aos problemas relativos à mudança global do clima. Quando surgiram os primeiros alertas dos cientistas, houve (e ainda há) incredulidade. No entanto, a não implantação das medidas de mitigação necessárias levou a uma situação irreversível a curto prazo, em que já não se poderão reverter os efeitos para os próximos anos. O mesmo ocorre com a crise da biodiversidade: por ser silenciosa ela é ignorada ou objeto de descrença, o que poderá levar à perdas irreversíveis de espécies e ecossistemas e à homogeneização biótica do planeta (GANEM, 2010).



Conservar a biodiversidade significa proteger a multiplicidade de formas de vida que se manifestam entre a crosta terrestre e a fina camada de gases que a reveste, a chamada biosfera (WILSON, 1997). Implica adotar ações complexas com o objetivo de assegurar a perpetuidade desse frágil sistema no qual a vida se aloja no planeta e no qual nós, humanos, estamos imersos.


Essas ações envolvem interferências diretas nas atividades humanas, especialmente nas formas como extraímos e exploramos os recursos naturais e como devolvemos resíduos e energia ao meio ambiente. Portanto, a conservação da biosfera, por definição, requer a imposição de restrições ao desenvolvimento das atividades produtivas, à exploração do solo, à construção de infraestrutura e ao regime de uso da propriedade privada e pública.


A biologia da conservação baseia-se na ideia fundamental e simples de que conservar a biodiversidade é bom para a humanidade, tendo em vista que a natureza é fonte de recursos materiais (vegetais, animais, minerais) usados para finalidades diversas – econômicas, recreativas, culturais, científicas, psicológicas e espirituais. Além desses materiais, a natureza provê serviços, como a conservação da água, a manutenção do clima, a fixação de carbono, a conservação do solo, o controle de predadores, a polinização de plantas e a dispersão de sementes.


O termo biodiversidade, conforme definido na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC, abrange esses dois sistemas descritos por Wilson (1994), pois inclui a riqueza de espécies, mas também os seus níveis de organização ecológica. Segundo a CDB, a biodiversidade inclui três níveis: (i) a diversidade genética ou intraespecífica, (ii) a organismal ou entre espécies, e (iii) a ecológica ou entre comunidades.


No Brasil, a Lei do SNUC (Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000) conceitua diversidade biológica como “a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, entre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas” (art. 2º, III).




A diversidade genética refere-se à variabilidade de alelos para cada gene, o que implica manifestação de características diversas em uma população. A diversidade de ecossistemas diz respeito à heterogeneidade do meio físico e às diferentes comunidades associadas a esse meio físico (CERQUEIRA, 2003).


A poluição, a introdução de espécies exóticas, as alterações climáticas e a perda e fragmentação de hábitats são as principais ameaças atuais à biodiversidade. A poluição provocada pelas atividades industriais, agrícolas e urbanas afeta especialmente os ambientes de água doce e marinhos. A descarga de esgotos domésticos e industriais, o carreamento de sedimentos e a disseminação de pesticidas podem ter efeitos letais. Perdas de espécies e alteração na estrutura das comunidades aquáticas podem ser associadas à eutrofização, fenômeno provocado pelo enriquecimento do meio com fósforo e nitrogênio e o consequente crescimento excessivo de algas, que, ao se decomporem, reduzem de forma acentuada a disponibilidade de oxigênio dissolvido. Desde 1960 aumentam os registros de zonas mortas em águas costeiras devido a esse processo de enriquecimento nutricional. Essas áreas situam-se principalmente nas proximidades de estuários de grandes rios, que carreiam sedimentos, fertilizantes e praguicidas dos continentes (CDB, 2010).


As recentes alterações climáticas são outra fonte de interferências negativas sobre a biodiversidade. Essas alterações referem-se ao aquecimento da superfície global em 0,74ºC, comparativamente aos níveis pré-industriais, e à projeção de um incremento entre 2.4 e 6,4ºC até 2100, se medidas mitigadoras não forem implantadas. Impactos sobre a biodiversidade estão relacionados à própria elevação da temperatura e às consequências disso: aumento da frequência de eventos extremos e alteração dos padrões de chuva e seca. Deve-se levar em conta que as espécies estão adaptadas a viver em determinadas condições climáticas cuja alteração poderá afetar severamente a sua distribuição e o funcionamento dos ecossistemas (CDB, 2010).


Nos ambientes terrestres, a elevação da temperatura pode interferir no ritmo da floração e gerar desequilíbrios entre espécies interdependentes, como a sincronia entre nidificação, polinizadores e fontes de alimento. Organismos patogênicos podem entrar em contato com espécies que não têm imunidade contra eles. As espécies podem mudar os seus padrões de distribuição, em busca de latitudes mais altas ou altitudes maiores (CDB, 2010).


Entretanto, a maior ameaça à biodiversidade é a perda e a fragmentação de hábitats, que provoca a remoção local imediata da flora e da fauna nativas e, consequentemente, o desaparecimento de populações inteiras ou de parte delas, a redução da distribuição geográfica das espécies e perdas de diversidade genética (HERO & RIDGWAY, 2006). A fragmentação é o processo de divisão de um hábitat contínuo em manchas isoladas, em decorrência principalmente da retirada da vegetação nativa (CERQUEIRA, 2003). Em outras palavras, ela ocorre com a remoção incompleta de um grande bloco de hábitat, o que resulta em uma paisagem contendo pequenas parcelas de ecossistemas naturais, separadas entre si por uma matriz dominada por agropecuária, mineração e outros usos do solo (ARAÚJO, 2007).


Os ecossistemas, particularmente os tropicais ajudam a manter o teor de oxigênio na atmosfera, regulam temperatura, precipitação, umidade e ventos, ou seja, os fatores climáticos globais são mediados e dependentes da manutenção dos ecossistemas tropicais nativos. Os recursos naturais servem ainda de fonte de energia e de matérias-primas para o desenvolvimento industrial, especialmente para as indústrias alimentares, química, farmacêutica e cosmética. Mais recentemente, a capacidade de manipulação de materiais genéticos e a bioprospecção se tornaram importantes ferramentas de exploração da biodiversidade para fins de desenvolvimento tecnológico. A biodiversidade é ainda componente importante da identidade cultural de muitas populações locais e é a base do ecoturismo e do turismo rural (ECOSYSTEMS, 2003; CAVALCANTI, 2006; MILLER, 1997).


Os serviços dos ecossistemas são os benefícios que as pessoas obtêm dos ecossistemas. Esta definição é derivada de duas outras definições comumente referenciadas:


a) Os serviços dos ecossistemas são as condições e processos através dos quais ecossistemas naturais e as espécies que a compõem sustentam a vida humana. Eles mantêm a biodiversidade e a produção de bens ambientais, tais como frutos do mar, madeira de forragem, biomassa, fibras naturais, e muitos produtos farmacêuticos, produtos industriais, e seus precursores (DIÁRIO, 1997b:3).


b) Bens ambientais (como alimentos) e serviços (como a assimilação de resíduos) representam os benefícios para as populações humanas, direta ou indiretamente, das funções dos ecossistemas (COSTANZA et al., 1997:253).


A Avaliação Ecossistêmica do Milênio (2003) segue a definição de COSTANZA (1997) incluindo ambos os ecossistemas naturais e modificados pelo homem como fonte de serviços ambientais, e segue diariamente em usar o termo "serviços" para abranger tanto os benefícios tangíveis e intangíveis que os seres humanos obtêm dos ecossistemas, que às vezes são separados em "bens" e "serviços", respectivamente.


O conceito de serviços ecossistêmicos é relativamente recente e foi usado pela primeira vez na década de 1960 (HELLIWELL, 1969). Pesquisa sobre serviços ambientais tem crescido dramaticamente durante as últimas décadas (MONTES, 2008; MARTIN-LOPEZ, B., 2007; MARTIM-LOPES, B., 2009).


É prática comum em economia, tanto para se referir a bens e serviços separadamente e para incluir os dois conceitos dos serviços. Apesar de que "bens", "serviços" e "serviços culturais" são muitas vezes tratados separadamente para facilitar a compreensão, para o MA (2003) são considerados todos estes benefícios em conjunto, como "serviços ecossistêmicos", porque às vezes é difícil determinar se um benefício fornecido por um ecossistema é do tipo "bom" ou um "serviço". Além disso, quando as pessoas se referem a "bens e serviços dos ecossistemas", valores culturais e outros benefícios intangíveis são, por vezes esquecidos.


Os serviços ecossistêmicos têm sido classificados de muitas maneiras diferentes, entre as quais citam-se:

- grupos funcionais: incluem regulação, suporte, habitat, produção, e serviços de informação (LOBO 2001; GROOT ET AL, 2002).

- agrupamentos organizacionais: que incluem os serviços que estão associados a certas espécies, que regulam a entrada de algumas substâncias exógena, ou que estão relacionados aos a organização das entidades bióticos (NORBERG, 1999); e

- agrupamentos descritivos: que inclui bens de recursos renováveis e não renováveis, serviços de estrutura física, serviços bióticos , serviços biogeoquímicos , serviços de informação e os serviços sociais e culturais (MOBERG e FOLKE 1999).


Para fins operacionais classificam-se os serviços ecossistêmicos ao longo de linhas funcionais do MA (2003), utilizando categorias de provisionamento, de regulação, culturais e serviços de apoio.


Serviços de provisionamento: Estes são os produtos obtidos a partir dos ecossistemas, incluindo:

- Comida e fibras: nessa categoria incluem-se os produtos alimentares derivados a partir de plantas, animais e microrganismos, assim como materiais tais como a madeira, juta, cânhamo, seda e muitos outros produtos derivados de ecossistemas;

- Combustíveis: inclui madeira, estrume, e outros materiais biológicos que servem como fontes de Energia;

- Recursos genéticos: inclui os genes e a informação genética usada em sanidade animal e melhoramento de plantas e biotecnologia;

- Bioquímicos, medicamentos naturais e produtos farmacêuticos: muitos medicamentos, biocidas, aditivos alimentares, tais como os alginatos e materiais biológicos são derivados de ecossistemas;

- Recursos ornamentais: produtos de origem animal, tais como peles e conchas e as flores são usadas como enfeites, embora o valor desses recursos é muitas vezes culturalmente determinados. Este caracteriza-se como um exemplo das ligações entre as categorias de serviços dos ecossistemas;

- Água doce: a água doce é outro exemplo de articulação entre as categorias, neste caso, entre provisão e regulação dos serviços.


Serviços de regulação: São os benefícios obtidos da regulação dos processos dos ecossistemas, incluindo:

- Manutenção da qualidade do ar: Os ecossistemas contribuem para produtos químicos e para extrair os produtos químicos da atmosfera, influenciando muitos aspectos da qualidade do ar;

- Regulação do clima: Ecossistemas influenciam o clima local e global. Em uma escala local as mudanças na cobertura do solo podem afetar a temperatura e as precipitações. Na escala global, ecossistemas desempenham um papel importante no clima por sequestro ou emissões de gases de efeito estufa;

-Regulação da água: o momento e a magnitude do escoamento, inundações e recargas do aquífero podem ser fortemente influenciados por mudanças na cobertura da terra, incluindo, em particular, as alterações que modificam o potencial dos sistemas de armazenamento de água, tais como a conversão de zonas húmidas ou da substituição de florestas por áreas de cultivo ou áreas de cultivo com áreas urbanas;

- Controle da erosão: o tampão vegetativo desempenha um papel importante na manutenção do solo e para a prevenção de deslizamentos;

- Purificação de água e tratamento de resíduos: ecossistemas podem ser uma fonte de impurezas na água doce, mas também pode ajudar a filtrar e decompor resíduos orgânicos introduzidos em águas interiores, costeiras e marinhas;

- Regulação de doenças humanas: mudanças nos ecossistemas pode alterar diretamente a abundância de patogênicos humanos, tais como a cólera e podem alterar o abundância de vetores de doenças, como mosquitos;

- Controle biológico: mudanças nos ecossistemas afetam a prevalência da cultura e pragas e doenças de animais em determinadas regiões;

- Polinização: mudanças nos ecossistemas afetam a distribuição, abundância e eficácia dos polinizadores;

- Proteção de tempestades: a presença dos ecossistemas costeiros, como manguezais e os recifes de corais podem reduzir drasticamente os danos causados ​​por furacões e grandes ondas;


Serviços Culturais: Os serviços culturais estão fortemente ligados a valores e comportamentos humanos, bem como para as instituições humanas e padrões de organização social, econômica e política. Assim, as percepções de serviços culturais são mais propensas a diferirem entre os indivíduos e as comunidades. São os benefícios não materiais que as pessoas obtêm dos ecossistemas através de enriquecimento espiritual, o desenvolvimento cognitivo, da reflexão, da recreação e experiências estéticas, incluindo:

- Diversidade cultural: a diversidade de ecossistemas é um fator que influencia a diversidade das culturas;

- Valores espirituais e religiosos: muitas religiões atribuem valores espirituais e religiosos para os ecossistemas ou de seus componentes;

- Sistemas de conhecimento (tradicional e formal): ecossistemas influenciam os tipos de sistemas de conhecimentos desenvolvidos por diferentes culturas;

- Valores educativos: ecossistemas e seus componentes e processos fornecem a base para a educação formal e informal em muitas sociedades;

- Inspiração: os ecossistemas fornecem uma rica fonte de inspiração para a arte, folclore, símbolos nacionais, arquitetura e publicidade;

- Valores estéticos: muitas pessoas concebem a beleza ou valores estéticos em diversas aspectos dos ecossistemas, refletido no apoio a parques, unidades de paisagem e na seleção de locais de habitação;

- Relações sociais: ecossistemas influenciam os tipos de relações sociais que são estabelecidos em determinadas culturas. Sociedades de pesca, por exemplo, diferem em muitos aspectos nas suas relações sociais de pastoreio nômade ou sociedades agrícolas;

- Sentido de lugar: muitas pessoas valorizam o "senso de lugar" que está associado com as características reconhecidas de seu meio ambiente, incluindo os aspectos dos ecossistemas;

-Valores patrimoniais culturais: muitas sociedades colocam alto valor na manutenção de paisagens, tanto historicamente importantes (paisagens culturais) ou espécies culturalmente significativas;

- Recreação e ecoturismo: muitas vezes as pessoas escolhem onde querem passar o seu tempo de lazer, baseados em parte nas características das paisagens naturais ou cultivadas em uma área particular.


Mapa das Áreas Prioritárias para conservação da biodiversidade brasileira (MMA)
Mapa das Áreas Prioritárias para Conservação da Biodiversidade

NOVAS ABORDAGENS PARA A CONSERVAÇÃO AMBIENTAL


Compreender os benefícios da biodiversidade e os custos das perdas faz com que os mercados e o sistema econômico os considerem. Os investimentos, os preços, os incentivos e desincentivos econômicos, os impostos, os orçamentos públicos e privados, a contabilidade, todos esses instrumentos de planejamento e de gestão econômica precisam ser ecologizados. Isso ajudaria a superar o divórcio entre interesses coletivos de longo prazo e interesses particularistas de curto prazo. Oferecer incentivos e desincentivos econômicos são forma de induzir mudanças de comportamento ecologicamente responsáveis.


Como exemplo há as leis de ICMS ecológico, que incentivam prefeitos a investirem em criação de unidades de conservação ou em saneamento ambiental. É justo, também, prover acesso e repartição de benefícios para quem protege a biodiversidade. Não se devem dar recursos financeiros a quem destrói a natureza.


O corte de crédito e o fim de subsídios financeiros para quem não adota práticas sustentáveis dificultam tais práticas. Como exemplo, a Resolução 3.545/2008, do Banco Central cortou crédito para produtores rurais predatórios na Amazônia. A internalização de custos econômicos responsabiliza quem produz os danos e ajuda a construir a necessária consciência ecológica.


Os bancos de desenvolvimento necessitam alinhar seus créditos e financiamentos com critérios ecológicos. Não basta criar fundos para defesa ambiental com alguns milhões de dólares, enquanto bilhões de dólares continuam a ser investidos em empreendimentos devastadores.


Prática e conceitualmente, economia e ecologia precisam se articular. A ecologização nas escolas e institutos de pesquisa econômica aplicada auxilia a redefinir conceitos de riqueza e a encontrar indicadores mais adequados do que o do Produto Interno Bruto (PIB), indicador enganoso que contabiliza como riqueza as despesas com correção de danos de desastres.


As ciências econômicas são partes das ciências ecológicas. O cuidado com a casa menor – a oikos nomos da economia –, estaria assim inserido no cuidado com a casa maior – a oikos logos da ecologia (VIVERET, 2006).


Uma reforma tributária ecológica que onere o uso de recursos naturais reduzirá os desperdícios, ao mesmo tempo em que pode incentivar o emprego e a renda. A demanda econômica é movida por desejos e emoções humanas e não apenas por decisões racionais. Ecologizar o consumo implica ecologizar os desejos, pois eles estão na raiz da formação das demandas.


Nas últimas décadas tem se verificado a necessidade de incluir as dimensões sociais e econômicas em pesquisas associadas a conservação da biodiversidade. Abordagens integradoras ecossistêmicas têm sido pouco utilizadas na avaliação de serviços. Isso pode ser em parte devido ao fato do que serviços ecossistêmicos são geralmente abordados a partir de disciplinas tradicionalmente separadas na ausência de um quadro teórico comum.


A abordagem aqui desenvolvida centra-se no fato de que a prestação de serviços funciona como o elemento chave para lidar com as relações entre a sociedade, os ecossistemas e biodiversidade. Além disso, propõe uma abordagem interdisciplinar para a valorização dos serviços ambientais prestados pela biodiversidade, que integram a ecologia, sociocultural e valores econômicos da biodiversidade.


Nesse contexto entende-se de fundamental importância refletir sobre as necessidades de novas investigações para avaliar os serviços ambientais prestados pela biodiversidade e sua relação com as políticas de conservação biológica.


As ligações entre a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos foram atraindo cada vez mais atenção na literatura científica ao longo dos últimos anos (CHAPIN et al, 2000;. Díaz et al, 2005.; Hooper et ai., 2005).


Publicações recentes (DÍAZ et al, 2005;. MA, 2003) fornecem um quadro atualizado das mensagens fundamentais e os principais desafios em relação a biodiversidade (DÍAZ et al., 2006a). Embora o MA (2003) estabeleceu um quadro conceitual a ser utilizado para a compreensão de serviços dos ecossistemas e avaliar sua situação atual e tendência, ainda não temos uma robusta base teórica para a ligação de biodiversidade aos serviços dos ecossistemas subjacentes ao bem estar humano (CARPENTER et al., 2006).


A abordagem dos serviços dos ecossistemas envolve cientistas reconhecendo a necessidade de colaboração interdisciplinar entre ecologistas e pesquisadores sociais. A fim de investigar serviços ecossistêmicos, os ecologistas devem reconhecer a dimensão humana da dinâmica dos ecossistemas (CARPENTER e FOLKE, 2006). Por outro lado pesquisadores sociais precisam entender o funcionamento dos ecossistemas, a fim de reconhecer melhor o estado do ambiente responsável pelo fluxo de serviços ecossistêmicos (KUMAR e KUMAR, 2008). Este papel emergente da expansão e colaboração transdisciplinar entre ecologistas e cientistas sociais é importante e necessário na pesquisa de conservação.


Neste contexto há um reconhecimento científico atual sobre a necessidade urgente de melhorar as abordagens para a avaliação dos serviços ecossistêmicos (CARPENTER e FOLKE, 2006), e para desenvolver marcos conceitual para a incorporação de serviços ambientais na tomada de decisões de conservação (CHAN et al, 2006; EGOH et al, 2007). Ao fazê-lo, primeiro devem-se rever as diferentes abordagens existentes para avaliação dos serviços ecossistêmicos e os conceitos fundamentais que sustentam as relações entre os ecossistemas, biodiversidade e o bem-estar humano.




PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS E VALORES ASSOCIADOS AOS ECOSSISTEMAS


Diante das crescentes pressões sobre os ecossistemas várias instituições e governos têm buscado criar incentivos para melhoria da gestão do patrimônio ambiental. Nesse sentido políticas de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) têm sido apontadas ao redor do mundo como uma opção viável para alcançar esses objetivos. Essas políticas podem complementar instrumentos de comando e controle, colaborando com a valorização dos ativos ambientais, além de trazer benefícios aos provedores desses serviços.


Os atuais processos de decisão muitas vezes ignoram ou subestimam o valor dos serviços ambientais. A tomada de decisão sobre os ecossistemas e seus serviços pode ser especialmente complicada porque diferentes disciplinas, pontos de vista filosóficos e escolas de pensamento avaliam o valor dos ecossistemas de diferentes maneiras.


Um paradigma de valor, conhecido como o conceito utilitarista (antropocêntrico), é baseado no princípio da preferência à satisfação do ser humano (bem-estar). Neste caso, os ecossistemas e os serviços que eles fornecem têm valor para as sociedades humanas porque as pessoas usufruem da sua utilização, direta ou indiretamente (valores de uso). Dentro desse conceito utilitarista, as pessoas também dão valor aos serviços dos ecossistemas que não estão momentaneamente usando (valores de não-uso ou de existência), simplesmente por saber que esses recursos existem, mesmo que nunca os utilizem diretamente. Muitas vezes isso envolve valores históricos, nacionais, éticos, religiosos e espirituais profundamente arraigados que as pessoas atribuem aos ecossistemas – são os valores que a MA (2003) reconhece como serviços culturais dos ecossistemas.


Um paradigma de valor diferente, não utilitarista, sustenta que alguma coisa pode ter um valor intrínseco, ou seja, que pode ter valor próprio, independentemente de sua utilidade para alguém ou do bem-estar proporcionado para o ser humano.

Os paradigmas utilitarista e não utilitaristas interagem de várias formas, mas usam medidas diferentes, sem denominadores comuns, e normalmente apresentam dificuldades em ser usados de forma agregada.


Segundo a MA (2003), uma ampla gama de metodologias têm sido desenvolvidas sob a abordagem utilitarista, tentando quantificar os benefícios de diferentes serviços ambientais. A escolha de uma técnica de valoração em dada situação é ditada pelos dados disponíveis e pelas características de cada caso.


Procedimentos não utilitaristas de avaliação variam conforme bases éticas, culturais, religiosas e filosóficas, e diferem quanto à compreensão do significado de valor intrínseco. O valor intrínseco pode compensar ou complementar as considerações do valor utilitarista. Mas tais decisões são essencialmente políticas, não econômicas. Em democracias contemporâneas essas decisões são feitas em parlamentos ou agências reguladoras com mandatos legais para isso. As sanções previstas para a violação de leis que reconhecem o valor intrínseco de um bem ou serviço ambiental podem ser citadas como uma medida do valor intrínseco a ele atribuído.


Entretanto, a simples ação de quantificar o valor dos ecossistemas não pode, ela própria, alterar os incentivos que afetam seu uso ou conservação. Muitas mudanças práticas são requeridas para melhor calcular tais valores. É necessário aperfeiçoar instrumentos e processos de tomada de decisão e fornecer conhecimento sobre que tipo de informações pode ter maior influência.


A maior parte do trabalho na previsão de mudanças nos valores do fluxo de benefícios providos por um ecossistema envolve estimar a mudança de fluxos físicos dos benefícios (quantificar relações biofísicas) e identificar e quantificar uma cadeia de causalidades entre as mudanças nas condições do ecossistema e do bem-estar humano. Um problema comum na valoração é que a informação está disponível somente em alguns dos elos e frequentemente em unidades incompatíveis da cadeia de valor. Os valores do ecossistema, nesse sentido, são apenas uma das bases sobre as quais decisões sobre a gestão do ecossistema são e deveriam ser tomadas.


Para a provisão de serviços ambientais, tais como a produção de alimentos ou o fornecimento de água, os preços de mercado indicam seu valor de uso direto, porque seus produtos são comprados e vendidos. Mas para muitos serviços ambientais os preços de mercado não existem e, portanto, é difícil quantificar sua importância ou estimar seu valor. O valor econômico total de um serviço ambiental pode ser estimado a partir dos diferentes tipos de uso que a eles damos: uso direto, uso indireto e o valor de se manter aberta a opção de usá-los mais tarde.


Valores de uso direto de bens e serviços são aqueles definidos pelos preços de mercado. Isso se aplica a produtos como alimentos, madeira e água e, também, a taxas de entrada em uma área protegida, para fins de educação, e a licenças de pesca de salmão para recreação, por exemplo.


Todavia, essa parte consumível dos ecossistemas é apenas a ponta do ‘iceberg’. Subjacentes a essa produção de bens, encontram-se os serviços de regulação dos processos ecossistêmicos que controlam a água ou a qualidade do ar, sendo que nosso uso desses serviços parece indireto. No entanto, eles têm um valor que pode ser estimado com base em nosso comportamento como consumidores. Por exemplo, apesar de não termos que pagar pela manutenção de um lago em condições saudáveis, podemos estar dispostos a pagar um preço mais elevado por uma casa localizada perto de um lago ou a dirigir mais tempo para visitar uma paisagem especialmente agradável em torno deste lago (valor de uso indireto).


Outros valores indiretos podem ainda ser definidos com o propósito de preservar a possibilidade de uso direto ou indireto no futuro. Por exemplo, o investimento na conservação da biodiversidade é frequentemente baseado nos valores da opção de preservação de ecossistemas, espécies e genes para potencial uso futuro. Além disso, as pessoas podem avaliar os serviços ambientais, sem nunca realmente deles retirar qualquer valor de uso. Outras pessoas podem avaliar que a preservação ambiental é válida apenas pelo valor da sua existência ou apenas por saber que um ecossistema será conservado para as futuras gerações (valor de legado/herança).


Para a provisão de serviços ambientais, tais como a produção de alimentos ou o fornecimento de água, os preços de mercado indicam seu valor de uso direto, porque seus produtos são comprados e vendidos. Mas para muitos serviços ambientais os preços de mercado não existem e, portanto, é difícil quantificar sua importância ou estimar seu valor. O valor econômico total de um serviço ambiental pode ser estimado a partir dos diferentes tipos de uso que a eles damos: uso direto, uso indireto e o valor de se manter aberta a opção de usá-los mais tarde.


Um exemplo simples de como um esquema de pagamento por serviços ambientais poderia funcionar seria uma companhia urbana de suprimento de água cobrar uma taxa extra pelo uso da água, para ser investida na proteção dos serviços de regulação e purificação da água providos pela bacia hidrográfica que abastece o rio, a partir do qual é feita a captação.


Existem diferentes esquemas de pagamento por serviços ambientais (PSA), sendo os esquemas de pagamento direto o tipo mais comum. Nesses casos, o governo, em nome da sociedade civil, remunera proprietários de terras pela adoção de tecnologias capazes de possibilitar melhor gestão do solo e, assim, resolver um problema ambiental específico. Normalmente esses esquemas são financiados inteiramente pelo governo, em benefício da sociedade, mas podem também incluir contribuições do setor privado.


Também existem esquemas de PSA baseados em produtos, onde consumidores pagam um prêmio verde sobre o preço de mercado de um produto ou serviço, para garantir um processo de produção ambientalmente sustentável, comprovado mediante processo independente de certificação. Quando consumidores decidem pagar esse valor adicional eles estão escolhendo pagar, também, pelos serviços de proteção ambiental. Programas de certificação com selos ecológicos têm sido desenvolvidos para uma variedade de produtos, tais como café cultivado na sombra, produtos orgânicos e madeira certificada.


Esquemas de PSA frequentemente aparecem em combinação com outros mecanismos de incentivo. Tais esquemas, por exemplo, sempre exigem esclarecimento sobre direitos de propriedade do serviço ambiental que está sendo produzido, a fim de identificar o provedor que deve receber uma compensação pela prestação desse serviço. Da mesma forma, no contexto dos programas de comércio de emissões, o PSA pode ser utilizado para atender aos limites estabelecidos por um governo ou órgão regulador relativos aos níveis de emissão ou de poluição permitidos em determinada área. A fim de atingir as metas de emissão ou de redução da poluição, empresas ou particulares podem, por exemplo, comprar créditos de carbono de agricultores ou empresas florestais que estejam plantando árvores que sequestram carbono ou que estejam protegendo uma floresta nativa.


O PSA é um instrumento que busca dar uma solução próxima à de mercado para o problema ambiental, ou seja, criar um sistema de preços que incentiva os agentes a tomar decisões ambientalmente corretas. Outra forma de incentivar a preservação é diretamente, via regulação direta estatal (multas para quem polui acima de certo patamar, proibição de exercer determinadas atividades – como as que usam amianto, obrigação de adotar padrões – como limites para desmatamento, colocação de filtros de emissões de gases na indústria, etc.). As duas formas são complementares, e as vantagens e desvantagens em cada uma delas têm de ser levadas em consideração no planejamento dos instrumentos de PSA.



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